sábado, 15 de julho de 2017

Os Bahá’ís são pacifistas?

Por David Langness.


Pacifismo (nome masculino): 1. atitude de quem rejeita e condena qualquer forma de violência; 2. doutrina que defende o desarmamento das nações e que advoga a resolução dos conflitos internacionais por meios pacíficos
O texto anterior desta série terminou com uma importante citação do Livro Mais Sagrado de Bahá'u'lláh sobre o acto de matar:
... que nenhuma alma mate outra; isto, na verdade, é o que vos foi proibido num Livro que esteve oculto no Tabernáculo da glória. O quê! Mataríeis aquele que Deus ressuscitou, a quem Ele dotou de espírito através de um sopro Seu? Severa, pois, seria a vossa transgressão perante o Seu trono! Temei a Deus, e não levanteis a mão da injustiça e da opressão para destruir o que Ele próprio ressuscitou; pelo contrário, andai no caminho de Deus, o Verdadeiro. (The Most Holy Book, p. 45)
Considerando esta proibição clara como água no livro Bahá’í das leis, como é que os Bahá’ís vêem a autodefesa, a guerra e toda a questão da pena de morte? Mais especificamente, como é que o Livro Mais Sagrado de Bahá’u’lláh, que também permite a aplicação da pena capital para certos crimes, lida com a aparente contradição interna entre essas duas importantes leis sobre o acto de pôr termo a uma vida humana?

Seguramente, este assunto profundo daria facilmente para escrever muitos livros.

Para entender esses princípios, temos de os colocar no contexto de todo o corpo das leis Bahá’ís, que não exige um pacifismo estrito da parte da própria sociedade. Por um lado, os Bahá’ís acreditam que os indivíduos nunca devem prejudicar ou matar outros. De facto, Bahá'u'lláh diz que dar a própria vida é preferível a tirar a vida de outra pessoa:
... prestar auxílio a Deus, neste dia, não consiste nem consistirá, em confrontar ou disputar com qualquer alma; pelo contrário, o que é preferível aos olhos de Deus é que as cidades dos corações dos homens, que são governadas pelas hostes do ego e da paixão, sejam subjugadas pela espada da palavra, da sabedoria e do entendimento. Assim, quem procura ajudar a Deus deve, antes de tudo, conquistar, com a espada da explicação e do significado interior, a cidade do seu próprio coração e protege-la contra a lembrança de tudo salvo Deus, e só então partir para subjugar as cidades dos corações dos outros.

Esse é o verdadeiro significado de prestar auxílio a Deus. A sedição nunca foi agradável a Deus, nem os actos cometidos no passado por certos loucos foram aceitáveis aos Seus olhos. Sabei que ser morto no caminho da Sua complacência é melhor para vós do que matar. (The Summons of the Lord of Hosts, pp. 109-110)
Por outro lado, os Bahá’ís também acreditam que a sociedade, como um todo, tem o direito de usar a força para se defender e proteger:
Os Bahá’ís reconhecem o direito e o dever dos governos a usar a força para a manutenção da lei e da ordem e para proteger o seu povo. Assim, para um Bahá’í, o derramamento de sangue com essa finalidade não é necessariamente um erro essencial. A Fé Bahá’í estabelece uma distinção muito clara entre o dever de um indivíduo de perdoar e "ser morto em vez de matar" e o dever da sociedade de defender a justiça... Na actual condição do mundo, os Bahá’ís tentam manter-se fora dos conflitos mortíferos que assolam os seus semelhantes e evitam derramar sangue em lutas, mas isso não significa que sejamos pacifistas absolutos. (A Casa Universal de Justiça, 9 de Fevereiro de 1967)
Assim, numa perspectiva Bahá’í, as sociedades têm a opção, em circunstâncias terríveis, de usar a força defensiva:
É verdade que os Bahá’ís não são pacifistas, pois defendemos o uso da força ao serviço da justiça e da defesa da lei. Mas não acreditamos que a guerra seja muito necessária; a sua abolição é um dos propósitos essenciais e promessas mais brilhantes da Revelação de Bahá'u'lláh. O seu mandamento específico aos reis da terra é: “Se algum de vós pegar em armas contra outro, levantai-vos todos contra ele, pois isso não é nada senão justiça manifesta”. (Tablet to Queen Victoria, The Proclamation of Baha'u’lláh, 13) O amado Guardião explicou que a unidade da humanidade implica o estabelecimento de uma comunidade mundial, um sistema federal mundial, "... livre da maldição da guerra e das suas misérias... em que a Força se torna serva de Justiça..." cujo executivo mundial "apoiado por uma Força internacional... salvaguardará a unidade orgânica de toda a comunidade". Obviamente isso não é guerra, mas a manutenção da lei e da ordem à escala mundial. A guerra é a tragédia final da desunião entre as nações, onde não existe qualquer autoridade internacional suficientemente poderosa para as impedir de perseguir os seus próprios interesses limitados. Os Bahá'ís pedem, portanto, para servir os seus países de uma maneira não-combatente durante esses conflitos; eles servirão, sem dúvida, numa tal Força internacional como Bahá'u'lláh antevê, quando esta surgir. (De uma carta escrita em nome da Casa Universal de Justiça, 11 de Setembro de 1984)
Da mesma forma, as pessoas quando são atacadas têm o direito à autodefesa, desde que essa autodefesa não degenere em retaliação:
... um Bahá’í não deve se render, mas deve tentar, na medida do possível, defender-se e, mais tarde, apresentar uma queixa às autoridades governamentais. (A Casa Universal de Justiça, 26 de Maio de 1969)
Isto significa, tendo em conta o princípio do direito de uma sociedade a proteger-se, que pode, em casos extremos, executar um criminoso perigoso:
Um indivíduo não tem o direito de procurar vingança, mas o corpo político tem o direito de punir o criminoso. Essa punição tem o objectivo de dissuadir e impedir outros de cometerem crimes semelhantes. É para a protecção dos direitos do homem...

Mas o corpo político tem o direito de preservar e proteger. Não guarda rancor e nem nutre inimizade para com o assassino, mas escolhe prendê-lo ou puni-lo apenas para garantir a protecção dos outros. (‘Abdu'l-Baha, Some Answered Questions, newly revised edition, pp. 309-310)
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Texto original: Let No Soul Slay Another: are Baha’is Pacifists? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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