domingo, 12 de março de 2017

Podemos esperar um futuro pluralista e inter-religioso?

Por David Langness.


Quem é pessimista consegue ver conflitos religiosos por toda a parte – mas quem é optimista, vê o surgimento do movimento inter-religioso.

As acções sensacionais e violentas de extremistas religiosos podem dominar capas de jornais e noticiários, mas isso representa apenas as opiniões contundentes e radicais de uma pequena minoria. O que as capas dos jornais muitas vezes não reflectem - e que a maioria das pessoas não sabe - é o crescente poder de uma nova tendência global para a cooperação e intercâmbio inter-religioso, conhecido como o movimento inter-religioso.

Já passou mais de um século desde o Parlamento das Religiões do Mundo, em Chicago, em 1893, onde membros e líderes de todas as religiões se uniram para pedir a compreensão global, cooperação e paz entre as religiões. Muitos dos Hindus, Budistas, Sikhs, Muçulmanos, Judeus, Bahá'ís e Cristãos (Católicos, Ortodoxos, Protestantes e Evangélicos) do mundo participaram nesse apelo. Ajudaram a formar o movimento inter-religioso, o que permitiu que se fizesse o apelo para aliança e colaboração. O movimento começou mesmo ter impacto na teologia e nas políticas das maiores entidades religiosas do mundo. A Igreja Católica declarou formalmente que os muçulmanos são parte do plano de salvação de Deus, e o Papa recentemente referiu-se ao povo judeu como os "nossos queridos e amados irmãos mais velhos". Está a nascer uma nova era de paz religiosa, e quem olhar com atenção verá que está a acontecer por toda a parte.

Em milhares de cidades por todo o planeta, membros de todas as religiões uniram-se para formar um movimento inter-religioso único, novo, descentralizado e difuso, sem precedentes em qualquer outro momento da história humana. Pastores, sacerdotes, rabinos, mulláhs, imãs e monges, juntamente com milhões de fiéis, começaram a reunir-se e a trabalhar em conjunto com seus parceiros de outras religiões. Os encontros devocionais inter-religiosos, os serviços inter-religiosos e as apresentações inter-religiosas tornaram-se comuns. Cada vez mais, as barreiras que costumavam manter as religiões separadas estão a diminuir e desaparecer.

Existem agora diversas organizações inter-religiosas, incluindo o Parlamento das Religiões do Mundo, Religions for Peace, United Religions Initiative, Interfaith Youth Core e muitas mais.

Se o movimento inter-religioso tem um lema, ele provavelmente vem de Hans Kung, o teólogo e presidente da Fundação para a Ética Global:
Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões.
Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões.
Mas muito antes de o movimento inter-religioso ter começado, os ensinamentos Bahá’ís recomendavam exactamente a mesma coisa:
Na medida em que a realidade essencial das religiões é apenas uma e a sua aparente desconformidade e pluralidade está na adesão às formas e às imitações que surgiram, torna-se evidente que essas causas de diferença e divergência devem ser abandonadas para que a realidade subjacente possa unir a humanidade no seu esclarecimento e desenvolvimento. Todos os que se apegam à realidade única estarão de acordo e unidos. Assim, as religiões convocarão as pessoas para a unicidade do mundo da humanidade e para a justiça universal; assim, proclamarão a igualdade de direitos e exortarão os homens à virtude e à fé na misericórdia amorosa de Deus. A base subjacente das religiões é uma única; não há diferença intrínseca entre elas. Portanto, se observarmos os mandamentos essenciais e fundamentais das religiões, a paz e a unidade amanhecerão, e todas as diferenças de seitas e denominações desaparecerão. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 98)
Porque é que tudo isso começou a acontecer agora? Os Bahá’ís acreditam que isso aconteceu devido à revelação de Bahá'u'lláh, que apela à unidade de todas as religiões:
É evidente que um número crescente de pessoas está a começar a perceber que a verdade subjacente a todas as religiões é - na sua essência – apenas uma. Este reconhecimento não surge através de uma resolução de disputas teológicas, mas como uma consciência intuitiva nascida da experiência cada vez mais alargada dos outros e de uma aceitação do nascimento da unicidade da própria família humana. Fora da confusão das doutrinas religiosas, dos rituais e dos códigos legais herdados de mundos desaparecidos, surge a sensação de que a vida espiritual - tal como a unidade manifesta em diversas nacionalidades, raças e culturas - constitui uma realidade ilimitada igualmente acessível a todos...

... a Comunidade Bahá’í tem sido uma vigorosa promotora de actividades inter-religiosas desde a sua criação. Além das associações estimadas que estas actividades criam, os Bahá’ís vêem no esforço das diversas religiões para se aproximarem uma resposta à Vontade Divina para uma raça humana que está a entrar na sua maturidade colectiva. Os membros da nossa comunidade continuarão a ajudar de todas as maneiras possíveis. Contudo, devemos afirmar claramente aos nossos parceiros neste esforço comum a nossa convicção de que o discurso inter-religioso - se quiser contribuir de maneira significativa para curar os males que afligem uma humanidade desesperada - deve agora abordar honestamente e sem mais subterfúgios - as implicações daquela verdade abrangente que trouxe o movimento à existência: que Deus é um só e que, para lá de toda a diversidade de expressão cultural e interpretação humana, a religião é igualmente uma só. (A Casa Universal da Justiça, Abril de 2002, To the World’s Religious Leaders, pp. 4-6)
O que será necessário para alcançar essa meta sublime da unificação da religião? Pode parecer um sonho impossível, mas que passos no caminho rumo à unificação poderíamos dar agora?

No mesmo documento citado acima, escrito aos líderes religiosos do mundo em 2002, o corpo administrativo eleito da comunidade internacional Bahá’í - a Casa Universal de Justiça - apelou para um único e importante primeiro passo: a "renúncia a todas as pretensões de exclusividade ou finalidade que, ao envolver as suas raízes em torno da vida do espírito, têm sido o principal factor no sufocar dos impulsos à unidade e na promoção do ódio e da violência." (Idem, p. 4)

Como podem as religiões - agora que entraram numa nova era de discurso inter-religioso e colaboração - renunciar às suas pretensões de exclusividade ou finalidade? No próximo artigo desta série, vamos explorar essa questão crucial.

-----------------------------
Texto original: Can We Possibly Have a Pluralistic, Interfaith Future? (www.bahaiteachings.org)

Artigo seguinte: Pode a Religião renunciar à Exclusividade e à Finalidade?
Artigo anterior: Pode alguma Religião ter o Exclusivo da Verdade?

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

Sem comentários: