sexta-feira, 3 de abril de 2015

O Islão e a questão da Violência

Por Dan Gebhardt.


... Por isso ordenámos aos filhos de Israel, que aquele que mata uma alma, que não tenha matado uma alma ou cometido maldade na terra, será como se tivesse assassinado toda a humanidade; mas aquele que salvou uma alma viva, será como se tivesse salvado a vida de toda a humanidade. Os Nossos apóstolos anteriormente vieram a eles, com milagres evidentes; depois disso, houve muitos deles que cometeram transgressões na terra. (Alcorão 05:32)
Este versículo do Alcorão é a minha resposta à questão sobre se o Islão é inerentemente violento - uma pergunta suscitada por terríveis actos de assassínio e terror que actualmente são cometidos em nome de Deus.

Numa leitura atenta, a resposta que este versículo apresenta parece mista. Apesar do valor supremo que coloca na vida humana, o Islão abre uma excepção: "aquele que mata uma alma, que não tenha matado uma alma ou cometido maldade na terra (fasād fi-l-arḍ)". O Islão não é uma religião pacifista e, em alguns casos, define guerra e os castigos corporais (incluindo a pena capital) como justos.

Para ser mais específico sobre a questão do Islão e da violência é necessário investigar as várias escolas de pensamento islâmico. Obtemos diferentes respostas consoante as escolas que consultamos - embora as escolas islâmicas tradicionais concordem amplamente que o terrorismo e violência são por si próprias a "maldade na terra".

Surpreendentemente para algumas pessoas no Ocidente, esta situação não difere muito do Cristianismo. Podemos identificar a atitude "Cristã" apenas em alguns assuntos bastante genéricos, mas as especificidades sobre crença e prática, e até mesmo as noções particulares para justificar a violência e a guerra, são frequentemente muito diferentes entre as diversas seitas, denominações ou tradições.

Para um observador externo, qual é a interpretação "verdadeira"?

Como Baha'i, acredito que os ensinamentos Bahá'ís contêm a verdadeira interpretação, apresentada de forma lógica e clara no princípio Baha'i da revelação progressiva. A Revelação Progressiva mostra-nos que todas as religiões, ao longo do tempo, acabam por se tornar reflexos da fragilidade humana e ambição mundana, levando à distorção da mensagem original. Essa distorção corrompe o propósito pacífico e espiritual dos mensageiros originais e fundadores das grandes religiões - e resulta na revelação progressiva da próxima grande religião. Se você realmente quer saber o que Maomé (ou Jesus, ou o Buda) ensinou, recomendo que veja o que as Escrituras Bahá'ís dizem que Eles ensinaram, comparando-as com o registo das Escrituras existentes e raciocinando a partir daí.

Radicais Islâmicos em Londres
Infelizmente, algumas pessoas olham para as acções de uma pequena minoria de extremistas muçulmanos e de governos repressivos que hoje alegam representar o Islão, e perguntam se o Islão tem sequer um lugar na revelação progressiva. Tivemos Abraão, tivemos Moisés, tivemos Jesus - mas aconteceu alguma coisa errada depois disso? O Islão é inerentemente mais violento do que as religiões anteriores, como o Judaísmo e o Cristianismo? Acredito que a resposta a esta pergunta é um claro "não".

Todas as três religiões prescrevem um modo de vida global que, pelo menos em teoria, não reconhece qualquer fronteira impermeável entre Igreja e Estado (uma ideia muito moderna). Todas as três religiões já fizeram uso da força (incluindo força letal) para atingir objectivos religiosos.

As tradições da Lei Islâmica (Sharia) não definem mais crimes merecedores de capital do que a Torá judaica ou as leis canónicas cristãs que serviram de base às leis europeias da Idade Média - na verdade, definem menos. Permitem mais liberdades individuais, como o divórcio e um novo casamento, a realização de negócios ao sábado, e permitem que judeus e os cristãos continuem a praticar a sua fé. Podemos facilmente argumentar que os ensinamentos originais do Islão permitem menos violência do que os seus antecessores, e não mais.

Por exemplo, a instituição islâmica de dhimma - em que de certas religiões do passado podiam praticar a sua fé e obter isenção do serviço militar num estado Islâmico em troca do pagamento de um imposto - é hoje amplamente condenada pelos seus abusos, mas originalmente tratou-se de um avanço nos direitos gozados pelas minorias religiosas nos tempos medievais. Ser um dhimmi sob o Islão era certamente uma opção melhor do que enfrentar a tortura da Santa Inquisição, e a nova lei levou a emigrações em massa de judeus da Europa para terras islâmicas.

Alguns cristãos argumentam que essas coisas não tinham nada a ver com os ensinamentos pacíficos de Cristo - que as cruzadas lideradas pela Igreja, os massacres e as conversões pela espada em toda a Europa, Américas e noutros lugares não eram "verdadeiramente cristãs". Esse é o mesmo argumento usado hoje pela maioria dos muçulmanos: que o terrorismo e as perseguições não representam verdadeiro Islão. Provavelmente, ambos têm razão.

Cristo ensinou amar os inimigos e a responder ao mal com o bem (como fez Maomé - Alcorão 41:34; 7:199; 60:7). No entanto, Cristo também disse: "quem não tem espada venda a capa e compre uma." (Lucas 22:36). São Paulo descreveu a autoridade do Império Romano pagão como estando "ao serviço de Deus, para te incitar ao bem ... ela traz a espada. De facto, ela está ao serviço de Deus para castigar aquele que pratica o mal." (Rom 13: 4). Estas palavras pareciam aplicar-se ainda mais depois do imperador Constantino se ter tornado cristão. A tendência humana a recorrer à violência para resolver problemas tornou inevitável que a profecia de Cristo "Não vim trazer a paz, mas a espada" (Mat. 10:34) fosse literalmente e abundantemente cumprida durante séculos nos actos dos seus seguidores. Apesar dos ensinamentos pacíficos de Cristo, a Bíblia não contém uma declaração de liberdade de consciência tão directa como esta do Alcorão:
Não há coerção na religião. A direcção certa é doravante distinta do erro. E aquele que rejeita falsas divindades e crê em Deus segurou-se firmemente àquilo que nunca se vai quebrar. (Alcorão 2: 256)
Esta omissão tornou fácil para a Igreja a entregar judeus, muçulmanos, hereges e rebeldes nas mãos do poder temporal, para receber o castigo infernal neste mundo pelos seus pecados observados.

Porque é que hoje nós vemos tanta opressão com motivações religiosas em terras islâmicas, e comparativamente pouca em países maioritariamente cristãos? Talvez devêssemos procurar a resposta na história, em vez da teologia. Talvez devêssemos, também, olhar para a mais recente e mais progressiva das religiões do mundo global, a Fé Bahá'í, e procurar nova orientação espiritual sobre a questão de guerras e violência:
Que ninguém lute com outro, e que nenhuma alma mate outra; isto, em verdade, é o que vos foi proibido... O quê?! Quereis matar quem Deus despertou, aquele que Ele dotou de espírito através do Seu sopro? Grave, pois, seria a vossa ofensa diante do Seu trono! Temei a Deus, e não levanteis a mão da injustiça e da opressão para destruir o que Ele próprio ergueu; não, trilhai o caminho de Deus, o Verdadeiro. (Bahá'u'lláh, O Livro Mais Sagrado, parag. 73)

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Texto Original: Islam and the Question of Violence (bahaiteachings.org)

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 Dan Gebhardt é professor de filosofia e religião na Universidade de Nevada-Reno (EUA).

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