sábado, 7 de março de 2015

Espiritualidade e Método Científico

Por Gregory Samsa e Jerry Schoendorf.


...o homem na posse deste dom ideal da investigação científica é o mais nobre produto da criação. ('Abdu'l-Baha, Baha'i World Faith, p. 243)
Na 1ª parte desta série sobre ciência e espiritualidade colocámos a questão: quais os métodos que podem ajudar a definir a realidade e verdade; que podem orientar a própria busca de um significado e propósito para a vida; e estabelecer a integridade e um código de ética que possam proporcionar satisfação e contentamento permanentes?

Para bem da nossa análise desta importante questão, vamos assumir que as abordagens metafísicas, religiosas e espirituais nesta busca estão “fora do nosso âmbito”. E porque vivemos num mundo céptico inundado de afirmações contraditórias e explicações místicas e dogmáticas, vamos limitar o nosso método ao empirismo e ao racionalismo, ou, tal como é conhecida a combinação moderna destas duas abordagens: a ciência. E também, para eliminar a pseudociência, vamos focar-nos especialmente no método científico.

Vamos tentar, enquanto cientistas, falar sobre divindade e revelação para pessoas com mentalidade científica, de uma forma credível, que permita esclarecer e ajudar uma busca pessoal por propósito, significado e integridade - que possa ser enobrecedor e conducente a contentamento permanente.

Assim, se vamos fazer isto como cientistas, então o que é um cientista e como é que ele/ela pensa? Falando de forma rigorosa, um cientista (ao contrário de um filósofo) é uma pessoa que exerce uma actividade sistemática de aquisição de conhecimento. E para atingir este objectivo, utiliza o método científico. Num sentido mais restrito, um cientista é um individuo que segue um conjunto de princípios fundamentais na investigação científica. Sabemos que alguns desses princípios são:

  • O mundo é compreensível
  • As ideias científicas estão sujeitas à mudança
  • O conhecimento científico é duradouro e evolutivo
  • A ciência não pode dar respostas completas a todas as questões
  • A ciência exige provas.
  • A ciência combina lógica e imaginação 
  • A ciência explica e prevê
  • A ciência tenta identificar e evitar preferências pessoais
  • A ciência não é autoritária
  • A ciência pode ser uma actividade social complexa
  • A ciência está organizada em disciplinas e é dirigida por várias instituições
  • Existem princípios éticos gerais aceites na condução da ciência.

Acrescentaríamos três pontos adicionais: (1) os cientistas são cépticos profissionais; (2) os cientistas exigem provas materiais; (3) os cientistas podem ser corajosos ao aceitar novas ideias.

Karl Popper
Todos estes pontos derivam dos princípios básicos do método científico, tal como descritos por Karl Popper. Em resumo, uma teoria é "científica" se conduzir a previsões que são confirmáveis (ou seja, que também possam ser refutadas). Um exemplo trivial: a teoria da gravidade diz que uma caneta cai no chão se a largarmos; se a caneta não cai, então verifica-se que a teoria da gravidade é falsa e, portanto, deve ser eliminada. Se a caneta cai como previsto, então a teoria fica aceite provisoriamente, pelo menos até que se prove ser falsa, ou até que surja uma teoria melhor. No mundo da ciência, uma teoria é "melhor" se fizer previsões mais genéricas ou mais surpreendentes, ou se contiver o menor número possível de elementos (a navalha de Occam: a simplicidade é boa).

A dúvida é fundamental para o método científico. No mundo do cientista, a dúvida também é fundamental para a aceitação e para o progresso. Um cientista pode-se tornar famoso se encontrar uma falha lógica numa teoria existente, ou se demonstrar que uma teoria, apesar de lógica, não tem sustentabilidade no mundo real. No mundo do cientista, uma teoria não é mais forte do que seu elo mais fraco: se houver dúvidas sobre um qualquer elemento de uma teoria, então toda a teoria deve ser rejeitada.

Se um cientista está interessado em assuntos espirituais, devemos esperar algumas perguntas muito enfáticas dirigidas para aquilo que o cientista considera ser o elo mais fraco da cadeia de raciocínio: não há nada de pessoal nisso; é apenas a sua maneira normal de trabalhar.

Podemos agora começar a descrever a dificuldade em falar com cientistas a respeito de Deus. Por natureza, um cientista, um céptico profissional, exige evidências para acreditar. Evidências significa provas materiais; e no entanto a religião tem fundamentalmente a ver com espiritualidade. Além disso, de acordo com a regra do elo mais fraco, se um cientista encontra qualquer coisa sobre religião que lhe parece errado (por exemplo, um prática supersticiosa ou crença sem base racional), ele/ela é pode rejeitar a religião na sua totalidade.

Um dos aspectos muito positivos da visão de mundo de um cientista é que ele/ela vai aceitar novas ideias, desde que tenham sido provadas como melhores do que o que as que tinha anteriormente. Em matéria de religião, a objecção de muitas pessoas - seja substantiva ou psicológica, ou ambos - é: "porque é que aquilo que era suficientemente bom para o meu pai não é suficientemente bom para mim?" Em questões de ciência, pelo menos depois de o cientista ter o seu choque inicial, nunca se ouve "se foi suficiente bom para os romanos a acreditar que o sol gira à volta da terra, então isso também é suficiente bom para mim." Esta abertura de espírito fundamental de cientistas oferece a oportunidade para o diálogo espiritual significativa.

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Texto original: Spirituality and the Scientific Method (bahaiteachings.org)

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Gregory Samsa é director de estudos de pós-Graduação no Departamento de Bioestatística e Bioinformática na Universidade de Duke (EUA), e entre os seus interesses intelectuais está a desconstrução da prática estatística em componentes que podem ser estudadas cientificamente. Um pai de 5 filhos e treinador de futebol em escolas de ensino secundário.

Jerry Schoendorf é um ilustrador médico reformado e anaplastologista que trabalhou na Universidade de Duke e mais tarde num consultório particular em Durham (Carolina do Norte, EUA). Vive em Chapel Hill, Carolina do Norte, onde se dedica à ilustração, apicultura, e olaria.

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