terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Pressupostos para compreender o Sofrimento


Todas as tentativas de compreender a questão da teodiceia (explicar porque é que Deus permite a existência do Mal) têm como base um determinado entendimento da vida e do propósito da nossa existência.

Assim, antes de tentar responder a algumas questões sobre este tema é importante deixar claro algumas ideias e conceitos. Vamos começar com as próprias palavras “sofrimento” e “mal”. O sofrimento humano tem duas causas: natural e humana.

Como sabemos, existem fenómenos naturais – tempestades, terramotos, tsunamis, erupções vulcânicas, secas, epidemias - que podem causar – e de facto causam – grande sofrimento. A ciência mostra que estes desastres, grandes ou pequenos, resultam de leis naturais que governam o nosso universo. Não podem ser considerados actos malignos porque não existiram opções morais que tenham levado a estes eventos. Assim, não podemos descrever um terramoto ou uma epidemia como “mal”, independentemente da escala do sofrimento que possam causar. Neste conjunto de artigos irei designar estes fenómenos como “sofrimento natural”.

Coluna de refugiados durante a Guerra da Coreia (1951)
Por outro lado, as acções humanas cometidas com o objectivo deliberado de causar sofrimento, dor ou morte exigem uma opção moral. Consideramos que a guerra ou um assalto como “mal”, pois os seus perpetradores sabem antecipadamente que vão provocar sofrimento. Nesta série de artigos vou designar este tipo de acções como “mal”.

Sabemos que o mundo em que vivemos não é um paraíso. Nós, seres humanos não somos perfeitos; temos falhas, e por vezes, naturezas violentas. Também sabemos que somos animais racionais, capazes de escolhas e juízos morais. E também sabemos que somos fruto de um lento e contínuo processo de evolução.

No mundo em que vivemos a presença de Deus não é evidente (existe a tal «distância epistémica»). Temos liberdade e autonomia em relação ao nosso Criador (é o chamado «livre arbítrio»). Tomamos consciência do Criador através de um acto livre de interpretação da realidade (acreditamos que existe algo que nos transcende; temos «fé»).

Com estes pressupostos e definições podemos formular algumas questões e procurar respostas.

As escrituras Bahá’ís dizem-nos que o nosso distanciamento em relação a Deus é uma característica própria da nossa condição humana; não é uma imperfeição moral (ou uma natureza imperfeita!) e tem uma razão de ser no propósito de Deus para a nossa existência. A actual situação humana - com todas as suas ambiguidades - não é fruto de um acto maligno que tentou subverter a vontade de Deus, mas representa uma fase da nossa evolução espiritual enquanto espécie.

Segundo a Fé Bahá’í, a vida terrena não é a totalidade da existência humana. As nossas almas evoluem para uma forma de existência mais espiritual após a morte do corpo físico. Mas é durante a vida física que se inicia um processo - não coercivo - de desenvolvimento espiritual, desenvolvimento esse que prossegue após a morte do corpo físico. O sofrimento, segundo a perspectiva Bahá’í, é um elemento chave nesse desenvolvimento espiritual.

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Versão em inglês: A Starting Point for Understanding Suffering (bahaiteachings.org)

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