sábado, 22 de maio de 2004

O Primeiro Acto

Todas as religiões têm o seu "primeiro acto". Trata-se do primeiro momento de uma fantástica cadeia de eventos que vão revolucionar a história da humanidade. Esse primeiro acto assume muitas vezes características místicas e passa-se geralmente entre gente humilde.

No religião Judaica podemos considerar que o primeiro acto se desenrola com o nascimento de Moisés, o seu abandono nas águas e a sua adopção pela família do faraó; na religião Cristã, temos o nascimento de Cristo em Belém com a adoração dos Magos e, posteriormente, a fuga para o Egipto; no Islão, descreve-se a aparição do Anjo Gabriel ao Profeta numa gruta. A religião Bahá’í também tem o seu primeiro acto; aconteceu na cidade de Shiraz, na Pérsia, na noite de 22 para 23 de Maio. Estávamos no ano de 1844.

Seguindo as instruções de um professor de uma escola teológica messiânica, o estudante Mullá Husayn dirigiu-se a Shiraz. Chegou à cidade ao entardecer; a viagem deixara-o cansado, sujo, suado e com fome. Às portas da cidade contemplou as cúpulas das mesquitas e pensou em qual poderia orar a Deus para Lhe suplicar que o guiasse ao Prometido.

Enquanto caminhava, um jovem de turbante verde – sinal de que se tratava de um descendente de Maomé – dirigiu-se a ele. Sorridente cumprimentou-o e abraçou-o como se Mullá Husayn fosse um irmão que não via há muito tempo. Pensou que se pudesse tratar de um companheiro de escola que o tivesse reconhecido. Tratava-se de 'Ali-Muhammad, que ficaria conhecido como "O Báb" (em português, "A Porta"). O Báb convidou-o a ficar em Sua casa; podia comer, refrescar-se e descansar da viagem. A gentileza, a dignidade e a própria maneira de falar do Báb despertaram a atenção de Mullá Husayn. Decidiu aceitar o convite.

Depois de tomar um chá, e terem feito as orações da tarde, o Báb começou a fazer-lhe perguntas: Quem era ele? O que fazia na vida? Porque viajava? Mullá Husayn explicou que era aluno de uma escola religiosa e que andava à procura do Prometido. O seu professor, antes de morrer, tinha dado instruções aos alunos para que se espalhassem pela Pérsia na procura do Prometido.

"O vosso professor deu-vos algumas indicações detalhadas sobre as características do Prometido?" perguntou o Báb.

"Sim", respondeu Mullá Husayn, "sabemos que é descendente do Profeta, deve ter entre 20 e 30 anos, tem conhecimento inato, não fuma e não tem qualquer deficiência física".

Houve uma breve pausa no diálogo. Depois numa voz firme e cativante o Báb disse:

"Vê! Todos esses sinais se manifestam em Mim!"

"Mullá Husayn ficou chocado. O Báb explicou-lhe de que forma os sinais se aplicavam a Ele; mas Mullá Husayn contra-argumentou. Simultaneamente sentia uma mistura de medo e excitação percorrer-lhe o corpo. Lembrou-se então que o seu professor lhe tinha dito que o Prometido lhe daria uma explicação sobre o Sura de José (um capítulo do Alcorão). Para seu grande espanto o Báb disse-lhe:

Agora é chegado o momento de revelar um comentário ao Sura de José". E pegando numa caneta e papel, começou a escrever e entoou as seguintes palavras: "Todo o louvor a Deus que, através do poder da Verdade, fez descer este Livro ao Seu servo, para que sirva como uma luz brilhante para toda a humanidade..." Mullá Husayn ficou siderado com as palavras que ouviu; começou a ter consciência do que se estava a passar. O Prometido estava diante de si, a escrever o que entoava com enorme rapidez.

Quando concluiu o comentário, passavam duas horas do pôr do sol; o Báb disse então ao seu convidado: "Esta noite, esta própria hora, serão celebradas nos dias vindouros como um dos maiores e mais significativos festivais. Agradece a Deus por te ter graciosamente ajudado a alcançar o desejo do teu coração, e por teres sorvido do vinho selecto da Sua palavra."

Durante toda a noite comeram, oraram, e o Báb foi revelando mais palavras sagradas. Passadas algumas horas ouviram ruído vindo do exterior; a cidade acordava ao som dos apelos vindos dos minaretes das mesquitas que chamavam às orações matinais. O Báb encontrara o Seu primeiro discípulo. Terminava ali o primeiro acto.

Nas semanas seguintes, outros discípulos viriam a reconhecer o Báb; esses primeiros encontros tiveram sempre uma certa carga mística. O último do primeiro conjunto de discípulos foi Quddus.

Nessa mesma noite em que o Báb revelou a Sua Missão, em Teerão, nascia 'Abdu'l-Bahá, o filho de Bahá'u'lláh.
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ALGUMAS NOTAS:

1 - O texto completo do comentário ao Sura de José revelado pelo Báb naquela noite encontra-se na Bahá'í Library Online neste link.
2 - O livro Dawn-Breakers(a narrativa de Nabil) relata a vida do Báb e dos Seus primeiros discípulos; está disponível na Bahá'í Library Online neste link.
3 - O livro The Bab, de Hasan Balyuzi é o meu relato preferido sobre a vida do Báb e os primeiros crentes (mas isto é uma opinião muito pessoal!).

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